EMPRESA OBTÉM
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
PELA SEGUNDA VEZ

Em uma decisão ainda incomum, o grupo Marques & Caetano, que atua no ramo de criação e abate de aves em Mirassol D'Oeste (MT), conseguiu na Justiça do Mato Grosso a concessão de uma segunda recuperação judicial. A decisão foi obtida logo após o encerramento do primeiro procedimento, em 1º de junho, pela juíza estadual Edna Ederli Coutinho.

Apesar de raríssimas, advogados da área acreditam que, em tempos de crise, recorrer a uma nova recuperação poderá ser uma tendência para companhias que conseguirem cumprir os requisitos legais.

A Lei de Recuperação Judicial - 11.101, de 2005 - autoriza em seu artigo 48 a possibilidade de requerimento de recuperação judicial pelo devedor que, "no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos" e não tenha, "há menos de cinco anos, obtido recuperação judicial". O dispositivo prevê outros pontos que devem ser observados.

Para o advogado Marcelo Hajaj Merlino, que representa o grupo nos dois procedimentos, companhias que requereram recuperação até julho de 2009 já poderiam se beneficiar de outros pedidos para discutir débitos mais recentes, por já terem cumprido o prazo de cinco anos. "A crise está muito grave e acredito que devem ocorrer mais casos como esse", diz Merlino, referindo-se ao exemplo do grupo que atende.

De acordo com ele, o grupo Marques tem uma dívida estimada hoje em R$ 10 milhões e teve sua situação agravada pelo fato de deixar de receber créditos de um grande supermercado da região - principal comprador de seus produtos -, que também entrou em recuperação judicial.

A primeira recuperação foi deferida em maio de 2006 e, como afirma, foi cumprida e encerrada pela Justiça recentemente. Por essa razão, não haveria impedimentos para seu cliente deixar de obter uma nova ajuda. O argumento foi aceito pela magistrada do processo que, em sua decisão, afirma não existir impeditivo legal, mesmo "porque já se passaram quase dez anos do seu processamento, tendo sido determinado o seu encerramento". Para o advogado Júlio Mandel, do Mandel Advocacia, em razão da crise sistêmica que atinge vários setores, é possível que empresas que já passaram pela recuperação venham a pedir um novo procedimento. "Não há abuso nisso, é justificável e a medida está autorizado pela lei", diz.

O juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperação de Empresas de São Paulo, Daniel Carnio Costa, afirma que esse tipo de pedido é raro, até porque um processo rápido dura em média três anos. O que acontece muito, segundo ele, é durante o curso do processo a recuperanda requerer nova assembleia de credores para um pedido de renegociação do plano.

A tendência é reafirmada pelo professor da FGV Rio, Paulo Penalva Santos, especialista na área, que diz serem muitos os casos de renegociação de planos. "São várias recuperações em uma só", observa.

No caso de uma segunda recuperação judicial, ele acredita que daqui para frente não será raro isso acontecer. Mas trata-se de uma questão delicada, pois se da decisão que encerrar a primeira recuperação algum credor recorrer e o Tribunal de Justiça reformá-la, a companhia não poderá entrar no novo procedimento. "Se a primeira recuperação não foi encerrada, não poderia ocorrer uma segunda", afirma. Além disso, avalia que seria difícil obter sucesso em um novo processo de uma empresa que já estaria em uma situação frágil.

O advogado Ricardo Sayeg, também especialista no tema, afirma que o cumprimento do plano depende sempre do ajuste de caixa da empresa. "Com a situação econômica de hoje, que é muito grave, está difícil caixa novo. Por isso, há uma onda de recuperações, inclusive dessas [que já saíram e poderiam voltar]."